quarta-feira, 3 de agosto de 2016

♥♥ "Amor" , do livro LAÇOS DE FAMÍLIA ♥♥♥ - Clarice Lispector ♥♥

Amor
CLARICE  LISPECTOR
Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

 Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranqüilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.

 Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo, seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem.

 No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha — com persistência, continuidade, alegria. O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma exaltação perturbada que tantas vezes se confundira com felicidade insuportável. Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto. Assim ela o quisera e o escolhera.

 Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto — ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles. Quando voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim chegaria a noite, com sua tranqüila vibração. De manhã acordaria aureolada pelos calmos deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se voltassem arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscuramente parte das raízes negras e suaves do mundo. E alimentava anonimamente a vida. Estava bom assim. Assim ela o quisera e escolhera.

 O bonde vacilava nos trilhos, entrava em ruas largas. Logo um vento mais úmido soprava anunciando, mais que o fim da tarde, o fim da hora instável. Ana respirou profundamente e uma grande aceitação deu a seu rosto um ar de mulher.

 O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem parado no ponto.

 A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego.

 O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranqüila estava sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles.

 Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os irmãos viriam jantar — o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir — como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada — o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão — Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava — o bonde estacou, os passageiros olharam assustados.

 Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgia-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume. Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação e avançava as mãos inseguras, tentando inutilmente pegar o que acontecia. O embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida.

 Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito.

 A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por quê? Teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil, perecível... O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão — e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram.

 O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha ganho uma força e vozes mais altas. Na Rua Voluntários da Pátria parecia prestes a rebentar uma revolução, as grades dos esgotos estavam secas, o ar empoeirado. Um cego mascando chicles mergulhara o mundo em escura sofreguidão. Em cada pessoa forte havia a ausência de piedade pelo cego e as pessoas assustavam-na com o vigor que possuíam. Junto dela havia uma senhora de azul, com um rosto. Desviou o olhar, depressa. Na calçada, uma mulher deu um empurrão no filho! Dois namorados entrelaçavam os dedos sorrindo... E o cego? Ana caíra numa bondade extremamente dolorosa.

 Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. Mantinha tudo em serena compreensão, separava uma pessoa das outras, as roupas eram claramente feitas para serem usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite - tudo feito de modo a que um dia se seguisse ao outro. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca.

 Só então percebeu que há muito passara do seu ponto de descida. Na fraqueza em que estava, tudo a atingia com um susto; desceu do bonde com pernas débeis, olhou em torno de si, segurando a rede suja de ovo. Por um momento não conseguia orientar-se. Parecia ter saltado no meio da noite.

 Era uma rua comprida, com muros altos, amarelos. Seu coração batia de medo, ela procurava inutilmente reconhecer os arredores, enquanto a vida que descobrira continuava a pulsar e um vento mais morno e mais misterioso rodeava-lhe o rosto. Ficou parada olhando o muro. Enfim pôde localizar-se. Andando um pouco mais ao longo de uma sebe, atravessou os portões do Jardim Botânico.

 Andava pesadamente pela alameda central, entre os coqueiros. Não havia ninguém no Jardim. Depositou os embrulhos na terra, sentou-se no banco de um atalho e ali ficou muito tempo.

 A vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela adormecia dentro de si.

 De longe via a aléia onde a tarde era clara e redonda. Mas a penumbra dos ramos cobria o atalho.

 Ao seu redor havia ruídos serenos, cheiro de árvores, pequenas surpresas entre os cipós. Todo o Jardim triturado pelos instantes já mais apressados da tarde. De onde vinha o meio sonho pelo qual estava rodeada? Como por um zunido de abelhas e aves. Tudo era estranho, suave demais, grande demais.

 Um movimento leve e íntimo a sobressaltou — voltou-se rápida. Nada parecia se ter movido. Mas na aléia central estava imóvel um poderoso gato. Seus pêlos eram macios. Em novo andar silencioso, desapareceu.

 Inquieta, olhou em torno. Os ramos se balançavam, as sombras vacilavam no chão. Um pardal ciscava na terra. E de repente, com mal-estar, pareceu-lhe ter caído numa emboscada. Fazia-se no Jardim um trabalho secreto do qual ela começava a se aperceber.

 Nas árvores as frutas eram pretas, doces como mel. Havia no chão caroços secos cheios de circunvoluções, como pequenos cérebros apodrecidos. O banco estava manchado de sucos roxos. Com suavidade intensa rumorejavam as águas. No tronco da árvore pregavam-se as luxuosas patas de uma aranha. A crueza do mundo era tranqüila. O assassinato era profundo. E a morte não era o que pensávamos.

 Ao mesmo tempo que imaginário — era um mundo de se comer com os dentes, um mundo de volumosas dálias e tulipas. Os troncos eram percorridos por parasitas folhudas, o abraço era macio, colado. Como a repulsa que precedesse uma entrega — era fascinante, a mulher tinha nojo, e era fascinante.

 As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia. Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada. A moral do Jardim era outra. Agora que o cego a guiara até ele, estremecia nos primeiros passos de um mundo faiscante, sombrio, onde vitórias-régias boiavam monstruosas. As pequenas flores espalhadas na relva não lhe pareciam amarelas ou rosadas, mas cor de mau ouro e escarlates. A decomposição era profunda, perfumada... Mas todas as pesadas coisas, ela via com a cabeça rodeada por um enxame de insetos enviados pela vida mais fina do mundo. A brisa se insinuava entre as flores. Ana mais adivinhava que sentia o seu cheiro adocicado... O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno.

 Era quase noite agora e tudo parecia cheio, pesado, um esquilo voou na sombra. Sob os pés a terra estava fofa, Ana aspirava-a com delícia. Era fascinante, e ela sentia nojo.

 Mas quando se lembrou das crianças, diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor. Agarrou o embrulho, avançou pelo atalho obscuro, atingiu a alameda. Quase corria — e via o Jardim em torno de si, com sua impersonalidade soberba. Sacudiu os portões fechados, sacudia-os segurando a madeira áspera. O vigia apareceu espantado de não a ter visto.

 Enquanto não chegou à porta do edifício, parecia à beira de um desastre. Correu com a rede até o elevador, sua alma batia-lhe no peito — o que sucedia? A piedade pelo cego era tão violenta como uma ânsia, mas o mundo lhe parecia seu, sujo, perecível, seu. Abriu a porta de casa. A sala era grande, quadrada, as maçanetas brilhavam limpas, os vidros da janela brilhavam, a lâmpada brilhava — que nova terra era essa? E por um instante a vida sadia que levara até agora pareceu-lhe um modo moralmente louco de viver. O menino que se aproximou correndo era um ser de pernas compridas e rosto igual ao seu, que corria e a abraçava. Apertou-o com força, com espanto. Protegia-se tremula. Porque a vida era periclitante. Ela amava o mundo, amava o que fora criado — amava com nojo. Do mesmo modo como sempre fora fascinada pelas ostras, com aquele vago sentimento de asco que a aproximação da verdade lhe provocava, avisando-a. Abraçou o filho, quase a ponto de machucá-lo. Como se soubesse de um mal — o cego ou o belo Jardim Botânico? — agarrava-se a ele, a quem queria acima de tudo. Fora atingida pelo demônio da fé. A vida é horrível, disse-lhe baixo, faminta. O que faria se seguisse o chamado do cego? Iria sozinha... Havia lugares pobres e ricos que precisavam dela. Ela precisava deles... Tenho medo, disse. Sentia as costelas delicadas da criança entre os braços, ouviu o seu choro assustado. Mamãe, chamou o menino. Afastou-o, olhou aquele rosto, seu coração crispou-se. Não deixe mamãe te esquecer, disse-lhe. A criança mal sentiu o abraço se afrouxar, escapou e correu até a porta do quarto, de onde olhou-a mais segura. Era o pior olhar que jamais recebera. Q sangue subiu-lhe ao rosto, esquentando-o.

 Deixou-se cair numa cadeira com os dedos ainda presos na rede. De que tinha vergonha?

 Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver.

 Já não sabia se estava do lado do cego ou das espessas plantas. O homem pouco a pouco se distanciara e em tortura ela parecia ter passado para o lados que lhe haviam ferido os olhos. O Jardim Botânico, tranqüilo e alto, lhe revelava. Com horror descobria que pertencia à parte forte do mundo — e que nome se deveria dar a sua misericórdia violenta? Seria obrigada a beijar um leproso, pois nunca seria apenas sua irmã. Um cego me levou ao pior de mim mesma, pensou espantada. Sentia-se banida porque nenhum pobre beberia água nas suas mãos ardentes. Ah! era mais fácil ser um santo que uma pessoa! Por Deus, pois não fora verdadeira a piedade que sondara no seu coração as águas mais profundas? Mas era uma piedade de leão.

 Humilhada, sabia que o cego preferiria um amor mais pobre. E, estremecendo, também sabia por quê. A vida do Jardim Botânico chamava-a como um lobisomem é chamado pelo luar. Oh! mas ela amava o cego! pensou com os olhos molhados. No entanto não era com este sentimento que se iria a uma igreja. Estou com medo, disse sozinha na sala. Levantou-se e foi para a cozinha ajudar a empregada a preparar o jantar.

 Mas a vida arrepiava-a, como um frio. Ouvia o sino da escola, longe e constante. O pequeno horror da poeira ligando em fios a parte inferior do fogão, onde descobriu a pequena aranha. Carregando a jarra para mudar a água - havia o horror da flor se entregando lânguida e asquerosa às suas mãos. O mesmo trabalho secreto se fazia ali na cozinha. Perto da lata de lixo, esmagou com o pé a formiga. O pequeno assassinato da formiga. O mínimo corpo tremia. As gotas d'água caíam na água parada do tanque. Os besouros de verão. O horror dos besouros inexpressivos. Ao redor havia uma vida silenciosa, lenta, insistente. Horror, horror. Andava de um lado para outro na cozinha, cortando os bifes, mexendo o creme. Em torno da cabeça, em ronda, em torno da luz, os mosquitos de uma noite cálida. Uma noite em que a piedade era tão crua como o amor ruim. Entre os dois seios escorria o suor. A fé a quebrantava, o calor do forno ardia nos seus olhos.

 Depois o marido veio, vieram os irmãos e suas mulheres, vieram os filhos dos irmãos.

 Jantaram com as janelas todas abertas, no nono andar. Um avião estremecia, ameaçando no calor do céu. Apesar de ter usado poucos ovos, o jantar estava bom. Também suas crianças ficaram acordadas, brincando no tapete com as outras. Era verão, seria inútil obrigá-las a dormir. Ana estava um pouco pálida e ria suavemente com os outros. Depois do jantar, enfim, a primeira brisa mais fresca entrou pelas janelas. Eles rodeavam a mesa, a família. Cansados do dia, felizes em não discordar, tão dispostos a não ver defeitos. Riam-se de tudo, com o coração bom e humano. As crianças cresciam admiravelmente em torno deles. E como a uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu.

 Depois, quando todos foram embora e as crianças já estavam deitadas, ela era uma mulher bruta que olhava pela janela. A cidade estava adormecida e quente. O que o cego desencadeara caberia nos seus dias? Quantos anos levaria até envelhecer de novo? Qualquer movimento seu e pisaria numa das crianças. Mas com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse o mosquito, que as vitórias-régias boiassem no escuro do lago. O cego pendia entre os frutos do Jardim Botânico.

 Se fora um estouro do fogão, o fogo já teria pegado em toda a casa! pensou correndo para a cozinha e deparando com o seu marido diante do café derramado.

 — O que foi?! gritou vibrando toda.

 Ele se assustou com o medo da mulher. E de repente riu entendendo:

 — Não foi nada, disse, sou um desajeitado. Ele parecia cansado, com olheiras.

 Mas diante do estranho rosto de Ana, espiou-a com maior atenção. Depois atraiu-a a si, em rápido afago.

 — Não quero que lhe aconteça nada, nunca! disse ela.

 — Deixe que pelo menos me aconteça o fogão dar um estouro, respondeu ele sorrindo.

 Ela continuou sem força nos seus braços. Hoje de tarde alguma coisa tranqüila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver.

 Acabara-se a vertigem de bondade.

 E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia.


FONTE

Para quem quiser ler o livro completo acesse:

Mia Couto - Terra Sonâmbula (1°Capitulo)

Hello People!
    Em primeiro lugar desculpem - me pela a ausência, estava refletindo sobre a vida e acabei me desligando do mundo real.
    E em segundo tentarei, estar mais presentes com vocês!

Agora ao livro do:
Mia Couto
(Moçambique)
Terra sonâmbula

Editorial Caminho

Se dizia daquela terra que era sonâmbula. Porque enquanto os homens dormiam, a terra se movia espaços e tempos afora.
Quando despertavam, os habitantes olhavam o novo rosto da paisagem e sabiam que, naquela noite, eles tinham sido visitados pela fantasia do sonho.
(Crença dos habitantes de Matimati)


O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro.
(Fala de Tuahir)


Há três espécies de homens:
os vivos, os mortos e os que andam no mar.
(Platão)


Primeiro capítulo
A ESTRADA MORTA

Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tornara impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte.

A estrada que agora se abre a nossos olhos não se entrecruza com outra nenhuma. Está mais deitada que os séculos, suportando sozinha toda a distância. Pelas bermas apodrecem carros incendiados, restos de pilhagens. Na savana em volta, apenas os embondeiros contemplam o mundo a desflorir.

Um velho e um miúdo vão seguindo pela estrada. Andam bambolentos como se caminhar fosse seu único serviço desde que nasceram. Vão para lá de nenhuma parte, dando o vindo por não ido, à espera do adiante. Fogem da guerra, dessa guerra que contaminara toda a sua terra. Vão na ilusão de, mais além, haver um refúgio tranquilo. Avançam descalços, suas vestes têm a mesma cor do caminho. O velho se chama Tuahir. É magro, parece terperdido toda a substância. O jovem se chama Muidinga. Caminha à frentedesde que saíra do campo de refugiados. Se nota nele um leve coxear, umaperna demorando mais que o passo. Vestígio da doença que, ainda há pouco, o arrastara quase até à morte. Quem o recolhera fora o velho Tuahir, quando todos outros o haviam abandonado. O menino estava já sem estado, os ranhos lhe saíam não do nariz mas de toda a cabeça. O velho teve que lhe ensinar todos os inícios: andar, falar, pensar. Muidinga se meninou outra vez. Esta segunda infância, porém, fora apressada pelos ditados da sobrevivência.

Quando iniciaram a viagem já ele se acostumava de cantar, dando vaga a distraídas brincriações. No convívio com a solidão, porém, o canto acabou por migrar de si. Os dois caminheiros condiziam com a estrada, murchos e desesperançados.

Muidinga e Tuahir param agora frente a um autocarro queimado. Discutem, discordando-se. O jovem lança o saco no chão, acordando poeira. O velho ralha:
- Estou-lhe a dizer, miúdo: vamos instalar casa aqui mesmo.
- Mas aqui? Num machimbombo (autocarro) todo incendiado?
- Você não sabe nada, miúdo. O que já está queimado não volta a arder.

Muidinga não ganha convencimento. Olha a planície, tudo parece desmaiado. Naquele território, tão despido de brilho, ter razão é algo que já não dá vontade. Por isso ele não insiste. Roda à volta do machimbombo. O veículo se despistara, ficara meio atravessado na rodovia. A dianteira estava amassada de encontro a um imenso embondeiro. Muidinga se encosta ao tronco da árvore e pergunta:
- Mas na estrada não é mais perigoso, Tuahir? Não é melhor esconder no
mato?
- Nada. Aqui podemos ver os passantes. Está-me compreender?
- Você sempre sabe, Tuahir.
- Não vale a pena queixar. Culpa é sua: não é você que quer procurar seus pais?
- Quero. Mas na estrada quem passa são os bandos (Bandos: designação popular de bandidos armados).
- Os bandos se vierem, nós fingimos que estamos mortos. Faz conta falecemos junto com o machimbombo.

Entram no autocarro. O corredor e os bancos estão ainda cobertos de corpos carbonizados. Muidinga se recusa a entrar. O velho avança pelo corredor, vai espreitando os cantos da viatura.
- Estes arderam bem. Veja como todos ficaram pequenitos. Parece o fogo gosta de nos ver crianças.
Tuahir se instala no banco traseiro, onde o fogo não chegara. O miúdo continua receoso, hesitando entrar. O velho encoraja:
- Venha, são mortos limpos pelas chamas.

Muidinga vai avançando, pisando com mil cautelas. Aquele recinto está contaminado pela morte. Seriam precisas mil cerimónias para purificar o autocarro.
- Não faça essa cara, miúdo. Os falecidos se ofendem se lhes mostramos nojo.

Muidinga arruma o saco num banco. Senta-se e observa o recanto conservado.

Há tecto, assentos, encostos. O velho, impávido, já se deitou a repousar. De olhos fechados, espreguiça a voz:
- Sabe bem uma sombrinha assim. Não descanso desde que fugimos do
campo. Você não quer sombrear?
- Tuahir, vamos tirar esses corpos daqui.
- E porquê? Cheiram-lhe mal?

O miúdo não responde logo. Está virado para a janela quebrada. O velho 
insiste que descanse. Desde que saíram do campo de deslocados eles não tinham tido pausa. Muidinga permanece de costas viradas. Se escuta apenas o seu respirar, quase resvalando em soluço. Então, ele repete a sussurrante súplica: que se limpe aquele refúgio.
- Lhe peço, tio Tuahir. É que estou farto de viver entre mortos. O velho se apressa a emendar: não sou seu tio! E ameaça: o moço que não abuse familiaridades. Mas aquele tratamento é só a maneira da tradição, argumenta Muidinga.
- Em você não gosto.
- Não lhe chamo nunca mais.
- E me diga: você quer encontrar seus pais porquê?
- Já expliquei tantas vezes.
- Desconsigo de entender. Vou-lhe contar uma coisa: seus pais não lhe vão querer ver nem vivo.
- Porquê?
- Em tempos de guerra filhos são um peso que trapalha maningue
(Maningue: muito, demasiado).

Saem a enterrar os cadáveres. Não vão longe. Abrem uma única campa para poupar esforço. No caminho do regresso encontram mais um corpo. Jazia junto à berma, virado de costas. Não estava queimado. Tinha sido morto a tiro. A camisa estava empapada em sangue, nem se notava a original cor. Junto dele estava uma mala, fechada, intacta. Tuahir sacode o morto com o pé. Revista-lhe os bolsos, em vão: alguém já os tinha vazado.
- Eh pá, este gajo não cheira. Atacaram o machimbombo há pouco
tempo.

  O miúdo estremece. A tragédia, afinal, é mais recente que ele pensava. Os espíritos dos falecidos ainda por ali pairavam. Mas Tuahir parece alheio à vizinhança. Enterram o último cadáver. O rosto dele nunca chega a ser visto: arrastaram-no assim mesmo, os dentes charruando a terra. 
Depois de fecharem o buraco, o velho puxa a mala para dentro do autocarro. Tuahir tenta abrir o achado, não é capaz.
Convoca a ajuda de Muidinga:
- Abre, vamos ver o que está dentro.

Forçam o fecho, apressados. No interior da mala estão roupas, uma caixa 
com comidas. Por cima de tudo estão espalhados cadernos escolares, gatafunhados com letras incertas. O velho carrega a caixa com mantimentos. Muidinga inspecciona os papéis.
- Veja, Tuahir. São cartas.
- Quero saber é das comidas.
O miúdo remexe no resto. As mãos curiosas viajam pelos cantos da mala. O velho chama a atenção: ele que deixasse tudo como estava, fechasse a tampa.
- Tira só essa papelada. Serve para acendermos a fogueira.
O jovem retira os caderninhos, guarda-os por baixo do seu banco. Não parece pretender sacrificar aqueles papéis para iniciar o fogo. Fica sentado, alheio.

No enquanto, lá fora, tudo vai ficando noite. Reina um negro silvestre, 
cego.
Muidinga olha o escuro e estremece. É um desses negros que nem os corvos comem. Parece todas as sombras desceram à terra. O medo passeia seus chifres no peito do menino que se deita, enroscado como um congolote (Congolote: bicho de mil patas, maria-café). O machimbombo se rende à quietude, tudo é silêncio taciturno.
Mais tarde, se começa a escutar um pranto, num fio quase inaudível. É Muidinga que chora. O velho se levanta e zanga:
- Pára de chorar!
- É que me dói uma tristeza...
- Chorando assim você vai chamar os espíritos. Ou se cala ou lhe rebentoa tristeza à porrada.
- Nós nunca mais vamos sair daqui.
- Vamos, com a certeza. Qualquer coisa vai acontecer qualquer dia. E essa guerra vai acabar. A estrada já vai-se encher de gente, camiões. Como no tempo de antigamente.
Mais sereno, o velho passa um braço sobre os ombros trementes do rapaz e lhe pergunta:
- Tens medo da noite?
Muidinga acena afirmativamente.
- Então vai acender uma fogueira lá fora.
O miúdo se levanta e escolhe entre os papéis, receando rasgar uma folha escrita. Acaba por arrancar a capa de um dos cadernos. Para fazer fogo usa esse papel. Depois se senta ao lado da fogueira, ajeita os cadernos e começa a ler. Balbucia letra a letra, percorrendo o lento desenho de cada uma. Sorri com a satisfação de uma conquista. Vai-se habituando, ganhando despacho.
- Que estás a jazer, rapaz?
- Estou a ler.
- É verdade, já esquecia. Você era capaz ler. Então leia em voz alta que é
para me dormecer.
O miúdo lê em voz alta. Seus olhos se abrem mais que a voz que, lenta e cuidadosa, vai decifrando as letras. Ler era coisa que ele apenas agora se recordava saber. O velho Tuhair, ignorante das letras, não lhe despertara a faculdade da leitura.

A lua parece ter sido chamada pela voz de Muidinga. A noite toda se vai 
enluarando. Pratinhada, a estrada escuta a estória que desponta dos cadernos: Quero pôr os tempos...


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

DICA DE OURO - ENGLISH mais ( + ) DESABAFO


Ola meus queridos amigos, em inglês seria Hello my dear friends, hoje como está no titulo darei uma DICA DE OURO (Quero dizer que como o amarelo e o dourado é considerado a cor do ouro fingem que o laranja é o dourado ou o amarelo ( pois amarelo+vermelho é igual ao laranja), então tudo que estiver escrito “DICA DE OURO” ou da cor laranja é como se fosse o próprio metal mineral precioso (obs: E fingem também que sou bilionária a ponto de ter dinheiro para comprar ouro, ok!)).

O segredo para aprender outra língua, é ter força de vontade, na verdade não é segredo, somete algo essencial que temos que ter diariamente na nossa vida, porque sem essa vontade não conseguimos nada na vida.

Quando vejo pessoas falando da seguinte forma:
 - Não adianta aprender inglês, porque não terei ninguém para dialogar comigo.
 Mas se a pessoa pensar de outra de outra forma, como;
- Que droga não tenho com quem falar inglês, porem se eu aprender posso ajudar outra pessoa a falar inglês dessa forma nos podemos dialogar.

Então vai ter uma pessoa que dirá;
 - AAAAH mas desde jeito vou perder muito tempo ensinando uma pessoa a falar inglês.
- Pelo contrario você estará reforçando o seu vocabulário e relembrando do que a palavra ou a frase significa.

Caso você não queira conversa com uma pessoa, escrevam em um caderno, as palavras novas que aprendeu em outro idioma. E fale alto para si mesmo quando estiver escrevendo.


Exemplo: I EAT RICE AND BEANS. (EU COMO ARROZ E FEIJÃO)

OR (OU)

I DRINK JUICE (EU BEBO SUCO)


São frases fáceis e simples a ponto de aprender. E vai ter pessoa que falara.
- AAAAAH mas eu não sou autodidata.
Mas conseguiu aprender a palavra, HELLO, GOOD MORNING, OH MY GOD, BYE, THANKS. Se conseguiu aprender essas palavras aprendera novas.
- Mas é diferente.


Não, não é. Então eu pergunto
- Em vez de ficar criticando, por que não cria uma solução? Será tão difícil assim? Ou a pessoa não tem força de vontade!

Por isto cada postagem que eu fizer mesmo no português irei colocar uma palavra nova do inglês, e o modo de como pronunciar.

Uma dica se acha difícil aprender inglês sozinho imagino o ALEMÃO. (Confesso que às vezes é engraçado pois tem sons que não tem no português-brasileiro).

De agora em diante pare de reclamar e tenha força de vontade para encontrar a solução e poder aplicar.

                                                                                                                            
| E a palavra nova de hoje é!                                                                      |
EAT - pronuncia-se ITIS - e que significa COME                                     |
O verbo COMER em inglês seria TO EAT - pronunciando-se THU ITIS |
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